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O novo municipalismo

Num cenário de restrição fiscal, eventos climáticos extremos e necessidade de retomada econômica, o Rio Grande do Sul presencia a consolidação de um “novo municipalismo”, no qual as cidades ganham protagonismo na articulação de recursos e na formulação de políticas públicas. A partir de 2023, o governo estadual, passou a defender abertamente uma gestão municipalista, orientando repasses e ações estaduais para fortalecer as prefeituras. Essa postura foi reforçada pela Famurs em junho de 2025, com a criação de um Gabinete Especial para apoiar municípios afetados pelas chuvas — centralizando demandas, oferecendo formulários padronizados e assessoria técnica para projetos de recuperação. A iniciativa sinaliza um movimento de solidariedade e cooperação entre cidades, rompendo o tradicional embate entre esferas municipal e estadual.

O setor produtivo tem se alinhado a essa agenda local. Em março de 2025, Fiergs firmou cooperação com 21 prefeituras do Noroeste do RS para expandir um centro do Senai em Horizontina, mobilizando empresas como o Instituto John Deere em favor da capacitação profissional regional. Associações empresariais defendem, em fóruns como a Federasul, propostas de regras municipais para prevenir riscos climáticos — incluindo a obrigatoriedade de seguros contra desastres. Consórcios intermunicipais e parcerias público-privadas despontam como mecanismos para fortalecer cadeias produtivas e oferecer segurança jurídica ao setor.

Na esfera técnico-jurídica, conselhos profissionais e ordens institucionais vêm reforçando o viés municipalista. A OAB criou comissões dedicadas à “Advocacia Municipalista” e à “Defesa dos Municípios”, enquanto inspetorias estaduais e conselhos de arquitetura, engenharia e urbanismo promovem cursos e eventos para capacitar agentes locais em planejamento sustentável. Essa mobilização busca dotar municípios de autonomia normativa e instrumental técnico para enfrentar desafios que vão da infraestrutura urbana à habitação social, consolidando o direito à cidade.

No novo municipalismo gaúcho, as prefeituras investem na digitalização dos serviços públicos por meio de inteligência artificial, blockchain e plataformas online, ampliando a participação direta dos cidadãos em consultas públicas e adaptando iniciativas como o Portal Brasil Participativo ao contexto local. Ao mesmo tempo, a urgência da resiliência climática leva municípios a realizar diagnósticos territoriais, atualizar planos diretores e regulamentar áreas de risco, com foco em drenagem urbana reforçada e reflorestamento de matas ciliares. A tradição cooperativista ganha novo fôlego em redes municipais de crédito, agricultura familiar e compras públicas, amparada pela lei federal de economia solidária, que facilita a for mação de consórcios e empreendimentos autogeridos. E, por fim, o planejamento urbano integrado renasce com orçamentos participativos e conselhos comunitários — muitas vezes apoiados por aplicativos móveis — além de projetos para requalificar es paços públicos e investir em mobilidade, como bicicletários e transporte coletivo, visando tornar as cidades mais inclusivas.

Em síntese, o novo municipalismo no RS combina tradições locais — cooperativismo, consórcios municipais e forte identidade comunitária — com inovações políticas, técnicas e legais. Governos estaduais e federais, setor produtivo, entidades profissionais e associações empresariais convergem para entregar aos municípios mais recursos, saberes e autonomia. O grande desafio agora é converter essa confluência de esforços em resultados concretos: infraestrutura resiliente, transparência na gestão, desenvolvimento econômico regional e qualidade de vida para os gaúchos. Só assim as cidades poderão, de fato, ser protagonistas de seu próprio destino.

Tudo isso reforça a previsão constitucional de autonomia e independência dos entes municipais, atacada ao longo de décadas por outros Poderes da República e por diversos órgãos sem a atribuição executiva mais importante do pacto federativo, baseada na ação permanente do município e sua estreita ligação com a comunidade. Finalmente se começa a entender que a vida acontece realmente no município.

  • Diretor da CDP - Consultoria em Direito Público. Advogado e jornalista, autor do livro “O que todo Prefeito Precisa Saber Antes do Início do Mandato”.

Gladimir Chiele
Gladimir Chiele
Diretor da CDP - Consultoria em Direito Público. Advogado e jornalista, autor do livro “O que todo Prefeito Precisa Saber Antes do Início do Mandato”.

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